O Jardineiro Fiel e a Indústria Farmacêutica

on segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Olá a todos, 
estive pesquisando nos últimos dias sobre alguns filmes que tratassem do assunto do blog; a indústria farmacêutica e tudo mais. Achei uma resenha do filme " O Jardineiro Fiel", do diretor brasileiro Fernando Meirelles num blog, enfatizando o aspecto da "Grande Farmácia" que aparece no filme. Espero daqui a um tempo, postar no blog uma resenha  do filme "Amor e Outras Drogas", destacando o que se fala sobre os medicamentos e laboratórios farmacêuticos, dessa vez de nossa autoria. Enfim, deixo vocês com essa crítica muito interessante (e bem extensa) que nos mostra que filmes comerciais também podem nos conscientizar e nos mostrar um pouco da verdade e da "conspiração" que permeia esse assunto.  Enjoy ~



"Não é sempre que um filme comercial nos faz refletir sobre alguma coisa. Normalmente, a maioria deles tem como único objetivo nos entreter e impressionar com alguma história banal, de preferência cheia de efeitos especiais e, com isso, atrair um grande número de telespectadores e arrecadar milhões de dólares. Essa não é uma regra, mas, no circuito comercial de filmes, são raras as exceções. Entretanto, a mais recente produção do diretor brasileiro Fernando Meirelles é uma delas.

Vencedor do Prêmio da Juventude e indicado para o Festival de Veneza, O Jardineiro Fiel traz à baila um assunto extremamente polêmico: a atuação da indústria farmacêutica no terceiro mundo. O filme nos faz pensar sobre a ética em pesquisas farmacológicas, o valor da vida humana num sistema que só visa ao lucro e a situação de miséria degradante em que se encontra boa parte do continente africano. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, Meirelles demonstra surpresa com a acolhida do filme. "Achei que estava fazendo um filme comercial de qualidade, sobre coisas que me interessam dizer, mas a crítica o colocou num outro patamar. Sinceramente, fiquei surpreso quando nos convidaram para Veneza".

Uma co-produção de Reino Unido, Alemanha e Quênia, O Jardineiro Fiel conta a história de um diplomata britânico, Justin (Ralph Fiennes), que tem sua esposa Tessa (Rachel Weisz) assassinada supostamente por um amante. Impelido a investigar o crime, Justin descobre que, na verdade, a mulher fora "eliminada" por tentar denunciar um esquema de corrupção que atentava contra os direitos humanos: testes ilegais de um medicamento contra tuberculose eram realizados por uma empresa farmacêutica com africanos portadores do vírus HIV, sem o conhecimento dos mesmos e com a conivência dos governos queniano e britânico.

A polêmica começa quando a história representada na ficção se aproxima da realidade. O filme baseia-se em um best-seller homônimo de John Le Carré que, segundo reportagem da Agência Aids de Notícias, teria sido inspirado em um caso real acontecido na Nigéria há quatro anos, quando o laboratório Abbott testou um medicamento sem o conhecimento das pessoas que o estavam utilizando. Os usuários do remédio apresentaram problemas nas pernas e a empresa estaria sendo processada até hoje. A matéria conta ainda que essa informação partira do próprio diretor Fernando Meirelles. No final, a agência publica nota em que o laboratório Abbott desmente "veementemente a informação de que o livro/filme ‘The Constant Gardener’ (O Jardineiro Fiel) tenha sido inspirado em um caso real envolvendo a empresa" e solicita que, "pela sua gravidade, seja corrigida o mais rápido possível, pois a empresa sempre norteou suas ações pela ética e responsabilidade".

Essa é a questão que permeia todo o debate a respeito da atuação da indústria farmacêutica em países do terceiro mundo, principalmente nos africanos. Ao acreditar que situações como a representada pelo filme realmente acontecem, estaríamos dando crédito a simplistas e maniqueístas teorias da conspiração? Por outro lado, aceitar passivamente a palavra dos grandes laboratórios e acreditar que suas práticas seguem uma conduta exemplar não seria inocência demais? Nesse ponto nos deparamos com um sério problema: a falta de informação.

A cobertura midiática, tanto nacional quanto internacional, a respeito de temas relacionados ao continente africano ainda é muito escassa. Priorizam-se as notícias que interessam ao primeiro mundo. Exploram-se à exaustão os conflitos no Oriente Médio, a guerra no Iraque e tudo o que diga respeito às grandes potências mundiais, os centros de decisão do globo. Tragédias sociais, políticas e econômicas ocorrem todos os dias no continente africano, guerras civis já duram anos em diversos países, mas são renegadas ao segundo plano pela imprensa. Como assumir uma posição segura diante daquilo que não conhecemos? A escassez de informações dificulta muito a formação de opinião e a tomada de decisões.

Por isso, o debate em torno de temas que dizem respeito à África geralmente fica submetido a uma atmosfera cheia de informações duvidosas, palavras de uns contra palavras de outros, e abstrações. Não é diferente no caso da conduta ética da indústria farmacêutica em pesquisas. Foi necessário que um filme levantasse a questão para que o tema viesse à tona no Brasil e um número modesto, porém maior, de informações e opiniões começasse a circular principalmente na internet. Mas, então, em quem acreditar?


Há, sim, muitas empresas que se preocupam com o respeito à dignidade humana em suas pesquisas e, até mesmo, beneficiam muitas pessoas em sua atuação. Entretanto, não se pode fechar os olhos para o fato de que nem todas agem assim. Em meio à já referida falta de informações predominante na imprensa, pode-se encontrar, com algum esforço, notícias que ampliam esse horizonte.

É o caso de reportagem publicada no site do Institute of Science in Society (Instituto de Ciência na Sociedade) em 01 de julho de 2005. A matéria relata irregularidades em testes realizados desde 1997 com Neverapine – medicamento que visa à diminuição das taxas de transmissão do vírus HIV de mãe para filho – em mulheres grávidas de Uganda, levando 14 à morte. Segundo a reportagem, o governo sul-africano reagiu ao fato acusando oficiais americanos de tratar os africanos como “porquinhos da índia” e o ativista de direitos civis dos negros Jesse Jackson afirmou que “padrões de pesquisa e qualidades de drogas que são inaceitáveis nos EUA e em outros países ocidentais nunca devem ser empurrados para a África”.

Questões como essa, que abarcam capital, indústria e direitos humanos, são muito complexas e envolvem inúmeros interesses por todos os lados. É muito positivo que um filme comercial como O Jardineiro Fiel tenha trazido-a à tona. Cabe a nós refletir, tomar uma posição e agir em prol das mudanças necessárias. Não se trata de condenar indiscriminadamente toda a indústria farmacêutica, mas tomar atitudes severas diante daquelas empresas que, onde encontram brechas, agem fora da lei maior, a lei da vida."


- Retirado de Blog do Daniel Fassa acessado em 10/09/2012

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